Perigo sem aviso
Se as plantas podem “falar” pelos mortos e até ajudar a solucionar crimes, podem também causar mortes acidentais ou intencionais. De tal forma que os especialistas de medicina forense reconhecem cada vez mais a utilidade dos conhecimentos de botânica.
Paula Alexandra Almeida
Maria Cristina Mendonça, patologista forense no Instituto Nacional de Medicina Legal, valoriza a contribuição da botânica no âmbito das perícias médico-legais e na investigação criminal. Efetivamente, muitos vestígios existentes nos corpos podem orientar os peritos sobre o local em que estavam, há quanto tempo morreram ou a época do ano em que isso aconteceu.
“No exame de um cadáver, os vestígios vegetais que eventualmente estejam no corpo podem dar indicação do local da morte, que pode não coincidir com o local onde o corpo é encontrado”, revela. Esses vestígios podem ser macroscópicos -troncos, folhas, ramos, etc. -, ou microscópicos, nomeadamente os grãos de pólen e esporos, que podem ser indicativos. Esta é, aliás, uma área que está em franco desenvolvimento e que é denominada como palinologia forense. “Às vezes, a presença de polens nas pregas da roupa, nas fossas nasais, na lama das solas dos sapatos, pode ajudar a identificar o local onde ocorreu a morte do indivíduo”.
A este propósito, Maria Cristina Mendonça recorda o caso de um corpo que apareceu num saco de plástico onde se encontraram agulhas de pinheiro. “O saco foi encontrado na beira de uma estrada onde não existiam pinheiros, logo isso foi decisivo para orientar as investigações”.
Há outros estudos paralelos que têm a ver, por exemplo, com entomologia forense, o estudo dos insetos que colonizam os corpos. Quem não conhece o famoso personagem da série televisiva CSI Las Vegas, Gil Grissom, que estuda e coleciona toda a espécie de insetos? “Os insetos dão muita informação, não só em termos de tempos de morte, porque vão colonizar seguindo uma cronologia relativamente rigorosa dentro dos ciclos de metamorfose próprios da espécie, mas também do local ou da época do ano em que a morte ocorreu”.
Todos estes aspectos são interessantes porque ajudam na resolução de enigmas ligados à morte. “Quando se estuda a causa da morte, há muitos elementos que se podem recolher para além do cadáver - o seu espólio, restos vegetais, restos animais, elementos tóxicos… tudo isto vai para além do próprio corpo”.
Nesta perspectiva pode ser importante o papel dos vestígios botânicos na compreensão da causa da morte, como acontece em casos de afogamento em que a presença de algas microscópicas em determinados órgãos pode ajudar a descobrir se a pessoa se afogou ou se estava já morta e foi colocada na água para encobrir um homicídio. Quando uma pessoa morre afogada há penetração de líquido nas vias aéreas, que passa depois aos pulmões e posteriormente ao sangue. “Mas para isso a pessoa tem que estar viva ao entrar na água”, salienta a especialista. “Se a pessoa entrar na água já cadáver, não há passagem da água para o sangue e a infiltração fica-se pelas vias aéreas”.
Existem componentes microscópicos botânicos na água — microalgas designadas diatomáceas — que podem ultrapassar a membrana pulmonar e passar ao sangue, distribuindo-se por todo o corpo. “Se estudarmos, em algumas zonas concretas e que não estejam conspurcadas, a presença dessas microalgas, podemos teoricamente dizer que essa pessoa entrou viva para a água”, revela. E a não existência poderá levar à conclusão contrária.
Plantas que matam
Mas se as plantas ajudam, também podem complicar, e fatalmente. Helena Teixeira, toxicologista forense do INML, alerta que “antes de mais é preciso ter a noção da diversidade de plantas que existem no mundo e, em particular, no nosso país”. Por outro lado, mesmo admitindo que existe algum conhecimento por parte de certos especialistas que trabalham directamente com estas espécies, a grande maioria das pessoas desconhece a grande diversidade de plantas tóxicas que existe à disposição de qualquer um, com o inconveniente de não constar, em nenhuma delas o “símbolo de toxicidade”, existente na maioria dos produtos comercializados no nosso país.
Mas, afirma ainda, “os sintomas de intoxicação dependem do produto, da quantidade ingerida e de certas características físicas da pessoa que o ingeriu. Algumas substâncias não são muito potentes e exigem uma exposição contínua para que ocorram problemas. Outros produtos são mais tóxicos e basta uma pequena quantidade para causar graves intoxicações”.
Reportando ao uso de plantas com conhecimento das suas propriedades, a toxicologista recorda o caso mediático que no ano passado vitimou um jovem madeirense com chá de trombeteira. “Eram jovens que sabiam que aquelas plantas - que existem nos jardins à mão de semear - teriam alguns efeitos alucinogénicos. Não saberiam, no entanto, a gravidade da sua utilização desmedida, como foi o caso”. Foi através da análise toxicológica que se conseguiu determinar o alcalóide responsável pela intoxicação mortal do jovem.
Apesar de não serem muitos os casos registados nesta área, Helena Teixeira admite que haja uma sub-avaliação, já que muitas das intoxicações estão relacionadas com utilizações acidentais e nunca se pensa em plantas como primeira suspeita de intoxicação se não for fornecida a correspondente informação circunstancial.
E são muitos os exemplos. A rama da batateira é fatal para humanos e animais. O estramônio, ou figueira do inferno, da família das felanácias, é uma planta tóxica. Mas um dos casos mais notórios é a o da dieffenbachia, uma planta que existe em quase todos os lares e jardins, exteriores e interiores, e cuja seiva pode provocar edema da glote. Aliás, “as plantas ornamentais usadas indevidamente podem causar intoxicações graves se indevidamente utilizadas”.
Outro aspecto ligado à toxicologia tem a ver com os caroços de algumas frutas – pêssegos, cerejas, ameixas — que contêm compostos cianogénicos, “derivados do cianeto que podem levar à morte, dependendo da quantidade ingerida”. É costume nos livros policiais aludir-se ao cheiro a amêndoas amargas exalado pelos cadáveres vítimas de intoxicação com cianeto ou seus derivados.
É verdade, clarifica Helena Teixeira. A própria bebida conhecida como “Amêndoa amarga” contém derivados cianogénicos. E se no homem não provoca intoxicação, quanto às mulheres, “é importante que se faça referência que se estiverem grávidas não devem beber podendo correr o risco de abortar se a percentagem incluída na bebida for em demasia”.
Fonte de pesquisa: Jornal O Primeiro de Janeiro - Portugal
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