Nunca tinha tido chance de percorrer uma trilha, apesar da paixão que sinto pela natureza e tive a primeira chance de fazê-lo em novembro de 2000, guiada por uma das maiores autoridades da área da Botânica: Maike Hering. O local escolhido foi a Unidade de Conservação Ambiental Desterro, na ilha de Florianópolis.
Surpreendi-me ao perceber que já havia passado de carro, na estrada próxima, e nunca pude avaliar o que ali havia, muito menos a própria entrada do local. A Trilha do Jacatirão foi a primeira parte da subida e o guia auxiliar nos informou que o jacatirão é uma árvore nativa pioneira nativa da ilha. Ela é especial pelo fato de quando está entre árvores de outras família, ela se espicha para crescer mais; quando está ao lado de outras da mesma espécie, ela conserva o mesmo tamanho das outras.
Pois, logo na primeira fileira de dormentes - a trilha é feita com dormentes de uma antiga estrada de ferro - senti uma enorme emoção por presenciar a mais simples e pura beleza que o mundo nos dá: a beleza dele mesma. Os verdes se alternavam em claro e escuro; helicônias de um vermelho vivo surgiam em grandes maciços; samambaias (Gleichenia pectinata), cujo nome popular é "feito-prego",surgiam se derramando sobre pedras e grandes bromélias (foto) apareciam sobre troncos, e uma surprêsa: begônias na mata (foto abaixo).
Distanciei-me várias vezes da minha guia, mas pude anotar muitas observações interessantes: "Uma trilha se diferencia de um caminho ou de uma picada, por ser elaborada para observação e estudo da fauna e da flora, para se obter informações... Se se introduz no ambiente espécies nativas, você está oferecendo interações (frutos) que é um dos importantes conceitos da modernidade... As bromélias são consideradas um dos mais importantes elementos nestas interações, pois oferecem água, frutos, ninhos... É importante que haja oferta de frutos para que os pássaros se estabeleçam e propaguem as sementes, fazendo assim com que as espécies se reproduzam..."
Em seu estado nativo a Mata é considerada primária, dominada por árvores altas de 25 a 35 m, como a canela preta, a peroba e a licurana. Os troncos são retos terminando em densas copas que formam uma cobertura contínua, filtrando a entrada da luz. Embaixo desta cobertura estão arbustos de 9 a 15m, palmiteiros, bromélias, orquídeas e samambaias, além de cipós que se entrelaçam. Durante o caminho surgiram outras espécies que nunca tinha visto antes e uma grande quantidade de nomes diferentes ligados à uma finalidade: Vassoura vermelha (Dodonaea viscosa) uma árvore que serve para fazer vassoura, a bacaris que tem um papel importante na recuperação ambiental, baleeira que está sendo muito pesquisada por sua autoimunidade, canela-de-ema , da família das rubiáceas com frutos de linda cor, jaborandi, clussia (Clusia parviflora, ou popularmente, "mangue-de-formiga", árvore de grande interesse em zonas de recuperação ambiental. E que formas diferentes eram aquelas na pedra? musgo? é uma associação de fungo e alga.
Na Trilha do Guarapuvu, árvore símbolo da cidade de Florianópolis, lindamente ornamental e que serve para fazer canoas, Maike nos acompanhava com suas observações referindo que em locais de solo fértil, o gaurapuvu chega a 25m de altura. É um colosso e é lindo! Observamos as gliquenias platinatas em cima de barrancos, como se fosse uma teia; o curioso pau-formiga ou embaúba (Cecropia glazioui), árvore pioneira que tem uma curiosa interação entre árvore-inseto, pois oferece açúcar para as formigas que não deixam outros seres se aproximarem; os araçás e as pitangas, árvores bem brasileiras.
No final do dia dei-me conta que visitei um mundo de seres interagindo entre si desempenhando papéis importantes no equilíbrio da natureza. Os pássaros que, ao se alimentar, dissemina as espécies, as espécies que oferecem comida para as aves; certamente uma abelha ou a aranha que vi na trilha desempenham também uma série de papéis naquele universo. Nós, homens, ao comprar plantas prontas, geralmente cercadas de modismo, pelo simples fato de ter, perdemos a gratificação que vem de ver a natureza trabalhando, o milagre de ver a planta que cuidamos desde a germinação da semente até a sua frutificação.
Acredito muito na humanidade e sei que haverá um momento em que se trocará o mesquinho momento da posse, pela compreensão da natureza e de suas necessidades.
Artigo enviado por: Nelma A. Camargo - Paisagista
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