O outono pode parecer melancólico, com as folhas caindo. Para quem prestar atenção no ciclo natural, é, no entanto, uma estação de alegria, pois nele começa a grande alquimia da vida. Ele nos convida a juntar folhas mortas, a brincar com elas e, finalmente, a preparar uma composteira, deixando que apodreçam para fornecer o adubo para a próxima primavera.
Vamos começar brincando com essas folhas, recuperando um pouco da alegria de quando saíamos para ir ao colégio e pisávamos em todas as folhas caídas que encontrávamos para escutar o barulhinho que faziam.

A primeira parte da brincadeira é ver que folhas já estão amareladas em sua vida espiritual se quiser, pode ser mais ambiciosa/o, como toda criança, e procurar que folhas estão amareladas nos vários aspectos de sua vida.
Folhas secas são interessantes, pois aparentemente não servem para nada. No entanto são a força necessária para uma nova vida. Sem folhas secas, as florestas não teriam o alimento de que precisam. Elas nos ensinam uma lição básica, que muitas vezes esquecemos: para que o novo nasça, precisa que o antigo morra. Isso não significa sumir, desaparecer com o antigo. Não porque ele se transforma na nova vida, na medida em que a alimenta.
E o outono é a época onde começa essa linda alquimia. Quem tem jardim, aproveita. Desfruta dos tons dourados do outono, que vão pintando a natureza. Escuta o som suave das folhas que caem, uma sinfonia discretíssima que é deliciosa para os ouvidos atentos.
Além da beleza das folhas secas, há a chance de ter, de graça, todo o alimento que precisará para o solo para ter lindas flores na primavera. E a cada dia junta-se agradecidamente as folhas que caem.
Recolhendo as folhas secasFaça o mesmo com a sua vida espiritual. Escreva uma lista do que não precisa mais. Você se agarra a superstições que a/o incomodam? Vive dizendo que irá freqüentar alguma igreja, mas jamais o faz? Ou participa de algum grupo espiritual que acha que não acrescenta mais nada a seu crescimento? Diz que amanhã sem falta começará a rezar todos os dias e nada de começar? Anote, em um papel, todas as suas “folhas secas”.
Agora começa a brincadeira. Dê uma volta e junte tantas folhas secas, quanto as que anotou em sua lista. Faça dessa caminhada uma atividade prazerosa. Escolha folhas bonitas. Depois, sente-se em um momento de calma com todas as suas folhas. Escreva, em cada uma delas, um item de sua lista de “folhas secas espirituais”. Faça isso com a concentração e sabedoria que uma criança dedicaria à tarefa. Quem sabe a folha de plátano combina mais com a preguiça de rezar todos os dias? E a de paineira, é a cara do grupo de oração que você freqüenta não por fé, mas por inércia e medo de romper com os amigos? Que cor de caneta é parecida com a preguiça de rezar? Tome cada uma dessas decisões com a seriedade de alguém que tem três anos – lembre-se de que as crianças é que irão para o paraíso, como dizia Jesus.
Depois que completar a “inscrição de folhas secas”, guarde-as por alguns dias, e sempre que puder dê uma olhada nelas. Enquanto isso escolha um vaso bonito e separe um pouco de terra e umas pedrinhas. Escolha também uma data significativa. Pode ser o dia do mês em que você nasceu. Pode ser a lua nova. Pode ser um domingo. Qualquer dia é dia, desde que você o considere significativo.
Nesse dia, faça o enterro simbólico de suas folhas secas, sabendo que estão se preparando para ressurgir. Coloque algumas pedrinhas no fundo do vaso, um pouco de terra. Coloque folha por folha, prestando atenção no que está deixando para trás. A cada folha, jogue um pouquinho de terra em cima. Complete o vaso com terra. Não plante nada ainda neste vaso. Ele está em processo de preparação, assim como você. Mas vá pensando na próxima etapa, que é escolher o que irá plantar.
Pense em uma única prática espiritual que gostaria de, realmente, adotar. Só uma, e bem simples. Nada de se impor grandes mudanças, milagres, transformações súbitas. Aprenda com a natureza a trabalhar devagar. Você terá até o meio do inverno para escolher essa prática. Quando chegar a época do plantio, enviarei um lembrete que está na hora. Até lá, suas folhas terão apodrecido, e estarão prontas para gerar vida.
Não se esqueça, entretanto, de regar o vaso. Não precisa ser diariamente, pode ser a cada dois dias, ou três. Talvez brotem inços – é parte do processo dos jardins. Arranque-os e os deixe sobre a terra, ou os enterre – afinal, eles representam nossos defeitos e falhas, e são também, adubo. A única coisa que não pode faltar é aquele mínimo de água, que é para a terra, o que a água do espírito é para nós: o alimento essencial.
Carl Jung tinha na entrada de sua casa ou do seu escritório, a seguinte frase em latim: “Invocado ou não invocado, Deus está presente”. Essa é a água do espírito, que sempre está acessível a nós. E ela pode revivificar o mais seco dos jardins, sempre. Cabe a nós, humanos, o papel de jardineiros, retirando os inços e preparando a terra, para que o jardim não cresça desordenado.