Se você acha surreal que pessoas sejam literalmente apaixonadas por flores é porque, seguramente, não conhece nenhum orquidófilo. Colecionadores de orquídeas costumam empreender verdadeiras loucuras para conseguir espécies de sua ambição e pagam, sem pestanejar, pequenas fortunas por elas.
O gosto por estas plantas e a mística que as envolve já eram registrados há quase três mil anos. “Ao maior dos reis, leve um feixe de orquídeas”, teria sugerido uma escrava à rainha de Sabá, que não sabia qual presente oferecer ao rei Salomão, a quem iria visitar. A flor recebeu batismo do naturalista e filósofo Teofrasto, discípulo de Aristóteles, cerca de 300 AC. Na época vicejando farta à costa do Mar Mediterrâneo, era consumida com fins medicinais, a partir de apregoadas propriedades afrodisíacas - depois derrubadas cientificamente. Órkhis é a palavra grega para “testículos”, sugestão levantada pelo fato de a espécie apreciada pelo filósofo ter dois bulbos terrestres em suas raízes.
 Depois de se tornar febre no final do Século XIX, quando os ricaços da Europa mandavam emissários aos países tropicais para encontrar novas espécies, não é por acaso que muitos orquidófilos se autodenominam, com bom humor, de “orquidoidos”. O neologismo é adequado. Inexiste entre eles quem não traga cicatrizes por embrenhar-se em matas fechadas e subir em árvores à procura de uma flor com armação perfeita e/ou rara.
“Já caí e me esfolei várias vezes”, atesta o paranaense Marcos Luiz Klingelfus, dono de 1.500 plantas, de aproximadamente 500 espécies, todas abrigadas em uma estufa com 50 metros quadrados. Pior foi a experiência de Izabel Silvestrini, que aboletou-se em uma árvore para retirar uma Cyrtopodium Gigas e deu de cara com uma colméia. Perseguida pelas abelhas, saiu correndo, tropeçou em uma raiz e parte dela cravou-se em sua perna, deixando uma cicatriz.
Izabel é uma das cinco mulheres membros da Sociedade Paranaense de Orquidófilos, em meio à cerca de 60 homens. Há dez anos colecionadora, possui mais de 800 plantas. A entidade tem uma presidente pela primeira vez em 45 anos, Regina de Carvalho. Não se sabe porque a atividade desperta maior interesse no sexo masculino. No Brasil, isso pode estar relacionado ao poder dos cafeicultores, que derrubavam matas virgens inteiras para suas lavouras de café e, como um hobby, guardavam as orquídeas cujo habitat natural destruíam sem cerimônia. Mas essa proporção de gênero entre os orquidófilos se verifica no mundo todo, sem maiores explicações. “Os homens alegam que as mulheres não são tão perseverantes”, arrisca Regina, com o sorriso de quem desdenha o rótulo.
Perseverança, de fato, é atributo fundamental nesse misterioso mundo. Uma orquídea demora até cinco anos para tornar-se adulta e florescer. Mas, para os orquidófilos, tal expectativa só aumenta o fascínio da planta. “Nossa felicidade é esperar e ver ela florir”, confirma Marcos Luiz. “Ela vai crescer para você; o acompanhamento é como se você adotasse um bebezinho”, ilustra Regina. “Todo ano floresce uma novidade”, completa José Roberto Thomal, dono de um orquidário com 60 mil exemplares. Entre eles, vários da cobiçada Feiticeira (Cattleya walkeriana), espécie cujo nome foi inspirado em sua beleza, a encantar quem deita os olhos sobre a flor. Uma das mais raras do Brasil, sua instabilidade genética dificulta a clonagem. Em conseqüência disso, uma muda pequenina chega a custar R$ 250.
Existem 35 mil espécies nativas de orquídeas espalhadas por todo o globo, exceto nos pólos. O tamanho das flores varia de uma cabeça de alfinete a 30 cm de diâmetro. A essa biodiversidade natural agregam-se, todos os anos, de duas a três mil novas espécies híbridas, ou seja, produzidas em laboratórios como resultado de cruzamentos. “É a perfeição de Deus unida à sabedoria que Ele dá aos homens”, filosofa Regina. Como híbridas podem ser cruzadas com outras, a criação de novas flores é ilimitada.
A relação passional com as orquídeas é capaz, inclusive, de mudar trajetórias. Aos 17 anos, Alessandro Garrett Dronk era estudante do curso técnico de Edificações. Um dia, ao passear pela Praia do Leste, no litoral paranaense, encontrou uma orquídea. Foi amor à primeira vista. Levou-a e passou a cuidar dela. Logo depois, visitou uma exposição das flores no Parque Barigui, em Curitiba, onde conheceu o pessoal da Sociedade Paranaense de Orquidófilos. Pronto, foi o suficiente para que decidisse cursar Engenharia Agronômica. “Quem pega o vírus não se salva: orquídea tem uma magia”, diz.
Alessandro enfrentou as galhofas dos colegas, que enxergavam em seu gosto feições nada viris, e teve sua doce vingança: muitos dos que lhe atazanavam no passado encontraram na floricultura um caminho profissional. “É uma área da Agronomia pouco explorada”, informa ele, que hoje ministra cursos de reprodução de orquídeas in vitro.
Destaque-se que, no ambiente natural, essas plantas não são parasitas, como muitos leigos as classificam. Na verdade simbiontes, associam-se às árvores apenas para se segurar, sem causarem nelas qualquer expropriação. As orquídeas se alimentam de um fungo – micorriza – que, instalado em suas raízes, repassa-lhes nutrientes. Na reprodução em laboratório, o fungo torna-se prejudicial. As sementes se nutrem de um meio de cultura com sais minerais, vitaminas, açúcar, gelatina agar-agar e água.
 Desta forma, é possível a produção em quantidade, o que tem contribuído para tornar a flor mais acessível a compradores leigos, simplesmente admiradores de sua beleza. Mas os preços de orquídeas dificilmente serão competitivos em relação a margaridas, por exemplo. A literatura científica lhes confere o status de “biologicamente eternas”. Elas crescem, florescem, se reproduzem e não morrem – há plantas que acompanham gerações. Assim, cuidar delas é relativamente fácil, mesmo para quem não detém conhecimentos específicos. O melhoramento genético, por sua vez, aprimora as florações, completando o serviço antes circunscrito à natureza.
Nesse caminho, surgiu a Blc Strathfair ‘Moon Beach’, uma híbrida super perfumada o dia todo, o que é raro. A maioria das espécies só exala perfume no período em que seus insetos polinizadores encontram-se em atividade, justamente com o objetivo de atraí-los. Deste ciclo, surgem algumas curiosidades: a Angraecum Sesquipedale tem como polinizador uma mariposa cuja tromba estende-se por 40 cm para alcançar o néctar. Já a Bulbophillum Fletcherianum, que ocorre na Ásia, emana um cheiro horroroso, de carniça. Motivo: seu inseto polinizador é a mosca.
Orquidófilo que se preza, hoje, já tem como ecologicamente incorreto retirar plantas nas matas, o que se configura como crime ambiental, mesmo em situações de resgate, em áreas a serem inundadas por barragens, por exemplo. “Nesse caso, é um absurdo, mas é assim mesmo”, lamenta Alessandro Dronk. Eventualmente, os colecionadores ficam sabendo de algum desmatamento e correm a recuperar as orquídeas em árvores caídas. Também é crime, porém, nessa circunstância em que as flores estariam condenadas à morte, quase ninguém liga.
Orquidófilos da Sociedade Paranaense: assumidamente "orquidoidos"
REPORTAGEM ESPECIAL: Mônica Pinto / AmbienteBrasil
Fonte de pesquisa: ambientebrasil.com.br
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